MEMÓRIA:

Chacina de Costa Barros

A chacina de Costa Barros ocorreu no dia 28 de novembro de 2015, quando cinco amigos saíram para comemorar o primeiro salário como ajudante em um supermercado. Mas na volta do passeio foram surpreendidos por uma viatura da Polícia Militar que aguardavam a chegada de traficantes que teriam roubado a carga de um caminhão nas proximidades. Os quatro policiais da guarnição descarregaram seus fuzis e pistolas contra o Fiat Palio branco, sem nenhuma pergunta.

Os policiais militares alegaram que foram avisados de que o grupo estaria envolvido em um roubo de carga e que, quando abordaram o veículo, teriam sidos atacados e chegaram a trocar tiros com os jovens. Depois do ocorrido, os PMs chegaram a apresentarar um revólver na 39ª Delegacia de Policia na Pavuna como prova de que um dos jovens teria atirado contra a equipe. Mas a arma não funcionava, então, os policiais argumentaram que o revólver calibre 38 teria sido quebrado quando caiu da mão do atirador. Entretanto, posteriormente a perícia descartou a versão dos agentes, pois não havia indícios de disparos feitos do interior do carro fuzilado. Foram contados 80 perfurações no veículo, 40 tiros atingiram as vítimas, sendo a maioria pelas costas.

Assim, os jovens foram atingidos sem motivação e não tiveram qualquer forma de defesa. Em nota na época do crime, a ComCausa destacou o autoextermínio desta falsa guerra: “Foram nove vidas, nove famílias destruídas por uma guerra que os lados são os Governantes do Estado e o outro a população. Cinco jovem e suas famílias massacrados pela brutalidade policial e agentes do estado – e seus familiares – que passaram a carregar as consequências desse ato desastroso”.

Acusados pelo fuzilamento os soldados Antônio Carlos Gonçalves Filho e Thiago Resende Viana Barbosa, o cabo Fábio Pizza Oliveira da Silva e o sargento Marcio Darcy Alves dos Santos, todos lotados no 41º BPM, de Irajá. Os PMs foram presos em 28 de novembro de 2015, dia seguinte do crime. Mas, foram soltos poucos meses depois por conta de uma liminar do Superior Tribunal de Justiça. Semanas depois, em 06 de junho de 2016, a pedido do Ministério Público estadual, voltaram à cadeia, mas continuaram recebendo o salário da corporação.

Luta por justiça dos familiares

Como em tantos outros casos, além da perda, começou outro sofrimento dos familiares na busca por justiça e falta de apoio do Estado que teve seus agentes como autores do crime. Mas nem todas as pessoas conseguem suportar esta situação, uma desta foi Josélia de Souza, mãe de Roberto, que morreu aos 44 anos, em julho de 2016, após passar por uma depressão profunda que resultou em pneumonia e anemia.

“Por conta desse estado racista, esses jovens pagaram com a vida. Por serem negros, pobres e morarem em uma comunidade não puderam viver como pessoas normais, não puderam ir e vir sem ser maltratados e humilhados, e não tiveram o direto de se defender. Somos negros, sim, e com muito orgulho. Queria que parassem com esse racismo”, declarou Márcia Oliveira, que além de ter perdido Wilton Esteves Domingos Júnior, que era o motorista do carro, Márcia perdeu o filho mais novo, Wilkerson, meses depois do assassinato. Keu, como era chamado, de 16 anos, sobreviveu à chacina, pois conseguiu fugir em sua moto, ele assistiu ao fuzilamento dos jovens no carro e era a única testemunha do crime. Segundo Márcia, o trauma afetou a saúde de Keu, que passou a queixar-se de muita dor de cabeça e faleceu, vítima de um acidente vascular cerebral aos 16 anos.

Segundo matéria do El País, quando a chacina completou um ano, alguns dos pais dos jovens de Costa Barros se reuniram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, no centro da cidade, em homenagem aos filhos. Mônica, a mãe de Cleiton, de 18 anos, cujo cadáver teve de ser velado com o caixão fechado pelo estrago das balas, não foi. Também não havia comparecido ao último ato organizado em março, nem às audiências. Vivia perturbada desde as mortes, e naquele dia não tinha nem quatro reais para pagar sua passagem de metrô.

“Quando vi como ela ficou após saber da morte do Beto, eu sabia que não aguentaria esta pancada”, conta o ex-marido Jorge Roberto. Às lágrimas, o homem de 53 anos conta que doou todos as pertences do filho, mas que continua acompanhando mentalmente sua rotina, como se ele ainda estivesse vivo.

Jorge Roberto foi um dos primeiros a chegar ao lugar da chacina, e não consegue esquecer a imagem do carro perfurado com seu pequeno dentro. O adolescente recebeu 16 tiros. “É um vazio no coração um pai sepultar um filho assim. Você nunca supera essa dor”, conta.

Ainda segundo a matéria do El País, outra pessoa que teve sua vida devastada foi Adriana, a mãe de Carlos Eduardo Silva de Souza, deixou de enxergar sua filha de seis anos, e todo o resto, no momento em que viu o filho ensanguentado e inerte na parte traseira do carro. Carlos recebeu 11 tiros. Adriana não queria viver mais, sofria ataques de agressividade toda vez que via um policial. Um dia Adriana pegou o metrô até Copacabana e esperou que escurecesse para se lançar ao mar e deixar-se engolir pelas ondas. Na beira do mar, com os pés molhados, um rapaz desconhecido e inesperado a consolou, e ela resolveu voltar para casa. Tentou suicídio mais uma vez, mas resolveu viver.

“Quero que eles botem a mão na consciência e se arrependam, por saber que eles acabaram com 5 jovens e dilaceraram 5 famílias. Nunca passou pela minha cabeça que esses policiais iam matar os meninos dessa forma, sem que eles pudessem ter se defendido”, observa Rosileia, que hoje cuida do filho de Wesley.

Expulsão da PM e julgamentos

Em novembro de 2019, os quatro policiais militares envolvidos no caso foram Jugados: Antônio Carlos Gonçalves Filho, Márcio Darcy Alves dos Santos e Thiago Rezende Viana Barbos foram condenados a 52 anos e 6 meses de reclusão. Já o PM Fábio Pizza Oliveira da Silva foi inocentado, mas o Ministério Público e os assistentes de acusação já recorreram da decisão e o caso será analisado pelo tribunal.

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Segundo a sentença de pronúncia, assinada pelo juiz Daniel Werneck Cotta, da 2ª Vara Criminal:“Embora os acusados sustentem que somente revidaram aos disparos efetuados em direção à guarnição, observam-se algumas divergências entre sua versão e outros depoimentos prestados em juízo. Nessa esteira, as vítimas sobreviventes relataram que não houve qualquer confronto e que não foram desferidos disparos contra policiais. Dessa maneira, não sendo manifesta a existência de causa de excludente da ilicitude, impositivo que a lide seja solucionada pelo Colegiado Leigo, juiz natural da demanda” – e conclui – “Inegável que a quantidade de disparos, além de demonstrar maior reprovabilidade no modus operandi, representou perigo a outros transeuntes e veículos que passavam pelo local. Além disso, imputa-se aos acusados também a prática de crime de fraude processual, demonstrando que há indícios de que os réus possam ter objetivado influenciar no curso das investigações. A referida conduta furtiva, além de representar ameaça à instrução criminal, sugere a vontade de não se submeter à persecução criminal, demonstrando relevante contrariedade à eventual aplicação da lei penal, que também deve ser assegurada pela prisão preventiva. Dessa forma, inexistindo alterações fático-jurídicas que justifiquem a revogação da medida cautelar, deve ser mantida a prisão preventiva dos acusados”.

 

Somente em novembro de 2020, às vésperas do crime completar cinco anos. Os três PMs acusados de executarem jovens foram expulsos da corporação pela Justiça Militar. Em outubro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio anulou a decisão que absolveu Fabio Pizza Oliveira da Silva. Com a decisão unanime da 8ª Câmara Criminal do Rio, ele será novamente julgado pelo crime. Na decisão, os desembargadores também negaram o pedido por um novo julgamento para outros dois PMs condenados pela chacina.

Os advogados ainda sustentaram a tese de legítima defesa dos PMs pois “o local onde aconteceu as mortes é dominado pelo tráfico de drogas”. Já o advogado do cabo Fabio Pizza Oliveira defendeu que seu cliente não disparou nenhuma vez e, no momento dos tiros, estava abrigado, não vendo a ação.

Texto: Adriano Dias | Webdesigner: Virtuo Agência

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